quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Arquivo Público do Paraná:Lugar de memória e identidade do povo paranaense

Resumo:

O presente artigo pretende discutir algumas questões sobre o Arquivo Público do estado do Paraná, sobretudo se está em conformidade com as exigências da lei federal nº 8.159/1991. Está presente também neste texto, uma análise do arquivo como espaço de preservação, difusão da cultura do povo paranaense, e ainda, se esta unidade de informação pode ser considerada “lugar de memória” .

O arquivo Público do Estado do Paraná e a legislação que dispõe sobre o acesso aos documentos

Os arquivos públicos até a década de 90 do século XX, eram instituições que atendiam trâmites burocráticos no que tange ao recolhimento e a guarda de documentos oriundos da produção cotidiana nas diversas secretárias e repartições públicas. As visitações por parte do público em geral eram restritas, sobretudo durante o regime militar que negavam aos cidadãos acesso aos documentos sob a guarda dos arquivos públicos.
Um sopro de democratização ao acesso aos documentos de arquivo por parte dos cidadãos, começou principalmente apartir de 1990, com promulgações de leis e, maior conscientização dos cidadãos, que permitiram a qualquer pessoa o acesso a documentos, seja para pesquisa acadêmica ou para fins probatórios. A própria lei Nº 8.159, DE 08 DE JANEIRO DE 1991 no capítulo V dispõe sobre o Acesso e do Sigilo dos Documentos Públicos quando diz no art. 22: “ É assegurado o direito de acesso pleno aos documentos públicos.” Mais recentemente é promulgada outra lei com os pareceres idênticos a mencionada aima a lei nº 46/2007 de 24 de agosto, no artigo 5º Direito de acesso dispõe:

“todos, sem necessidade de mencionar qualquer interesse, tem direito de acesso
aos documentos administrativos, o qual compreende o direito de consulta, de
reprodução e informação sobre a sua existência e conteúdo.”

O Arquivo Público do Estado do Paraná está em conformidade com a lei 8.159/1991 no que concerne a sua estrutura organizacional enquanto instituição responsável pelo recebimento, guarda, preservação e disponibilização dos documentos aos cidadãos do Paraná.
Na literatura sobre o tema, existe uma certa discussão se realmente os documentos que estão sob a guarda do Arquivo público é de fato a memória de um povo. Os fragmentos culturais ali conservados sob a ótica fria dos preceitos do arquivista, espelham a produção cultural de um povo ou apenas da classe dominante, que naquele momento estava no poder e produziu os documentos? São dúvidas pertinentes que lançam um olhar crítico não só sobre o Arquivo Público do Estado do Paraná, mas de todas as Instituições deste gênero no Brasil.
Em seu artigo intitulado a invenção da memória nos Arquivos públicos, JARDIM (1995) vai mais além, questiona as formas de recolhimento do acervo:
“A lógica da constituição desses acervos de valor “permanente” resulta em geral
não de uma política de recolhimento por parte dos arquivos, mas de ações
isoladas, como a extinção de órgãos públicos, falta de espaço físico em
determinadas repartições, etc. “

Neste sentido, seria interessante reavaliarmos o caráter terminológico que os arquivos públicos assumiram como “o lugar de preservação da cultura de um povo” ou “lugar de preservação da memória”, do qual não concorda alguns teóricos, e aí não é exceção a regra o Arquivo do Estado do Paraná.
Para SANTOS (2003 apud HALBWACHS,1938), que considera que a memória é uma construção coletiva e nÃo individual, porque é construída cotidianamente em locais fora das esferas administrativas do aparelho estatal e por sujeitos comuns que não fazem parte da “história oficial.”
Portanto naquilo que dispõe a legislação em vigor, especialmente o que trata a lei 8.159, não temos dúvida de que o Arquivo Público Paranaense cumpre o que determina a lei. O que se pretendeu aqui neste espaço foi levantar algumas questões, por exemplo, de como o acervo foi constituído, bem como o tratamento técnico que o mesmo foi submetido, especificamente no que concerne aos critérios. No entanto não é intenção deste artigo aprofundar no tema.

Arquivo Público como lugar de preservação e difusão da história e cultura local

O Arquivo Público do Estado do Paraná contribui para a preservação e difusão de aspectos ligados a cultura e principalmente da identidade local, visto que foi um dos estados que mais receberam imigrantes para trabalhar em suas lavouras durante o século XVIII e até início do século XX.
Os fundos que constituem o acervo constam de registro cadastral de 18 países, que abasteceram o estado do Paraná com mão-de-obra em diversos segmentos da economia, com predominância para a agricultura que era a principal atividade da época. Um estado que se constituiu culturalmente por Alemães, italianos, poloneses, austríacos, portugueses etc., estes com imensa vocação para a lavoura.
O fator que motivou a imigração não vem a ser o ponto central da análise, o fato é que ao aportar com suas famílias no estado, trouxe também seus modos de vida oriundos das suas regiões, o que implica em transformações de comportamentos culturais dos nativos do Paraná. Com os imigrantes vieram também suas tradições, sua herança cultural. A influência na língua, com o português arrastado interrogativo, a culinária, as danças típicas destas famílias ao fim das colheitas.
A guarda destes documentos especificamente deste fundo (cadastro de registro de Imigrantes), que contém nome completo, data de desembarque, nacionalidade, o nº do livro e a ordem, dentre outras informações, por si só, já demonstra preocupação do Arquivo com a preservação da cultura e identidade destes povos, que ajudaram a constituir o estado do Paraná.
A preservação destes documentos dá a possibilidade a pesquisadores e demais interessados a oportunidade de ter acesso a um acervo até então intocado por motivos já expostos aqui, caso da censura durante regime militar e conseqüentemente do pouco hábito que o brasileiro possui de visitar arquivos, museus etc. Talvez até reflexos dos anos de cerceamento da liberdade de expressão.
A partir do momento em que os pesquisadores começam a ter acesso a estes documentos cresce também o numero de publicações que visam resgatar vários temas importantes que repousam nas prateleiras dos arquivos durante séculos.
Nos finais dos anos 90 do século passado tivemos um “boom” crescente de digitalização dos acervos dos arquivos públicos, fato que pode ser constatado verificando a quantidade de editais publicados, liberando recursos para este propósito. Entidades, como o ministério da cultura, os fundos de amparo a pesquisa e outras entidades governamentais, na onda das tecnologias e da preocupação da degradação dos acervos, começaram a digitalizar os acervos em todo país. É uma ação que está preocupada com as evoluções tecnológicas, com a constante mudança de suporte material dos documentos, mas cabe ressaltar que essas transformações têm possibilitado e garantido o acesso a informação aos usuários. Isso é fato, podemos discordar da maneira como está sendo conduzida a constituição do acervo, como Critica JARDIM, quando diz que a avaliação tende a privilegiar a memória como uma construção técnica do arquivista, dado a sua capacidade de emitir valores, do que deve ser selecionado como patrimônio ou descartado.
Dentro desta perspectiva o Arquivo Público do Estado do Paraná não é diferente do que estamos acostumados a ver no Brasil, e no que exige a lei sobre recolhimento dos documentos produzidos cotidianamente nas repartições públicas do estado. Os documentos históricos constituem cerca de 15% da documentação, dos quais quase sempre documentos que exprimiam a vontade do poder constituído da época, á versão oficial, dos vencedores,contra a ausência de vestígios da história de sujeitos comuns, normais, longe dos registros formais. Ainda assim, um número bem pequeno para rememorar a história cultural e identidade de um povo.
De qualquer forma tal acervo, constitui-se em importante fonte de conhecimento sobre o desenvolvimento social, econômico, político e administrativo do Estado do Paraná.


Arquivo público como lugar de memória

Existe uma extensa literatura que nos encoraja a discutir o Arquivo público como lugar de memória, sobretudo a partir de condições já debatidas neste texto, sobre a sua subjetividade do que deve ou não ser preservado. Antes de adentrarmos no mérito se o Arquivo Público do Estado do Paraná é ou não lugar de memória, faz se necessário conceituar o que é memória, para então nos aprofundarmos no tema. Segundo o dicionário Aurélio,

“memória significa faculdade de reter idéias, impressões e conhecimentos
adquiridos. Lembranças, reminiscências, o ato de reter idéias”.

Com esta conceituação, os documentos presentes no Arquivo Público do Estado do Paraná, o constitui como lugar de memória, porque remete a lembranças da cultura de um povo, no caso os imigrantes, que desembarcaram no Paraná com uma bagagem histórica cultural herdada de seus antepassados, e que se fazia presente nos diversos documentos do acervo. Mais precisamente a memória coletiva, naquilo que SANTOS (2003) cita do sociólogo Halbwachs de que a memória cultural é uma construção coletiva. É o conjunto dos elementos culturais, sociais e históricos que constituem as referências coletivas de um povo.

Sobre a construção social da memória, parece ser consenso entre os teóricos da área humana de que é tecida de forma coletiva, afinal o ser humano é um ser social, e como tal se realiza através das interações com o outro. Entretanto a memória social não é natural, mas construída como já vimos no tópico acima, muito de sua construção ocorre ao sabor da interpretação do arquivista, das técnicas da arquivologia. Dentro desta discussão polêmica, observa-se que aquilo que chamamos de uma memória social nada mais é do que resultado de um processo histórico de disputa de interpretações, como resultado do processo, ocorre a predominância de uma de tais interpretações e um esquecimento das demais. Naturaliza-se, assim, um sentido “comum” à sociedade, do arquivo como lugar de memória.

A discussão é incipiente, no que tange a crítica se realmente o Arquivo Público do Estado do Paraná ou de qualquer outro estado se constitui como lugar de preservação da memória. Podemos indagar, sobre qual memória estamos falando? A memória que é construída pelo sujeito social a margem do aparato oficial do estado de “ preservação” da memória coletiva, no caso os arquivos e museus, ou a memória dos documentos selecionada pelo subjetivismo do arquivista, com critérios que historiadores, psicólogos e sociólogos discutem se são os mais adequados.

Portanto, o tema é instigante para um debate, e salutar a partir do momento em que lançam bases para uma discussão mais aprofundada sobre a constituição do acervo de nossos arquivos públicos. É necessário destacar que o Arquivo Público do Estado do Paraná se constitui como lugar de memória, pois em seu acervo encontram-se presente materiais de memória sob as duas forma principais: os monumentos que refletem a herança do passado e os documentos, escolha do historiador, o que não deixa de ser fragmentos da memória cultural dos imigrantes.


Considerações finais

O acesso a informação, portanto aos documentos, sob a guarda dos Arquivos públicos é respaldada pela legislação federal, no entanto independentemente da unidade federal onde se está localizado o Arquivo, na prática as dificuldades tem demonstrado enormes para o cidadão apesar de garantido por lei.

A legislação federal e as diversas leis estaduais estudadas são suficientes para garantir ao cidadão o acesso aos arquivos. No entanto, são inúmeras as dificuldades encontradas pelas instituições arquivísticas para manter seus acervos disponíveis para consulta e para atender ao cidadão que procura os Arquivos, seja com o objetivo de realizar pesquisa científica ou de buscar a comprovação de direitos.

No caso de pesquisa acadêmica, a dificuldade de acesso aos documentos pelo pesquisador, poderá influenciar na difusão da história e cultura, uma vez que não satisfeita a necessidade de informação não há como reproduzir o legado cultural que repousa no acervo.

Ainda assim, diante dos fundos que compõe o acervo do Arquivo Público do Estado do Paraná, principalmente aqueles 15% que são históricos.

Não podemos deixar de reconhecer que o APEP, se constitui como lugar de memória, principalmente considerando o fundo Registro de Cadastro de Imigrantes, abre espaço para rememorar a cultura de seus países de origem.
Referência:

JARDIM, José Maria. A invenção da memória nos arquivos públicos. Ciência da Informação. Brasília, V.25, N.2, 1995.

SANTOS, Myrian Sepulveda dos. memória coletiva & teoria social. São Paulo: Annablume, 2003.

Dicionário on line de português disponível em:
http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1988.

FERRAREZI, Ludmila. arquivo, documento e memória na concepção discursiva.Enc. Bibli: R. Eletr. Bibliotecon. Ci. Inf., Florianópolis, n. 24, p. 152-171, 2º sem.2007.

BRASIL. Lei 8.159 de 08 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados dá outras providências.